Meu amor, ainda queres o meu poema?


Porto, pouco tempo passa das 19 horas, o dia frio está já coberto pela noite, por ti e por mim, tu e eu viajamos como pássaros pela rua de Santa de Catarina. Estamos na fase da descoberta e da conquista num porto romântico. Abrasamos o tempo para um jantar a dois, jantar romântico a dois. Enquanto deslizamos pela calçada portuguesa de asas encostadas, passam as montras da tentação consumista a uma velocidade perturbante, assim, descobres uma montra de sapatos. Aproximas-te para veres mais de perto. Esvoaço contigo. Em frente à montra de luxo está um homem, um homem pedinte. Inclinas-te para veres os sapatos nos teus pés. Aos meus pés um mendigo de mão estendida. Curvo-me, pego-lhe na mão e digo-lhe: - mais do que uma moeda, você precisa de uma mão amiga. Enquanto analisas o brilho dos sapatos eu colo-me aos olhos radiantes deste homem, pobre homem. Dou comigo a olhares para mim e para o pobre homem pobre. Não sei o que pensas, mas sei o que penso e esqueces os sapatos, eu convenço o homem a jantar connosco. O jantar romântico a dois transforma-se num jantar a três num tasco típico com portas de saloon de Texas a amortecer os berros de quem não tem razão. Na nossa mesa, o silêncio é tão grande quanto a fome deste mendigo. Eu e tu falamos pelo olhar, ele entende tudo pelo seu passado generoso. Agradece o meu gesto, mais pela companhia do que pelo banquete. Parte para o futuro com o dever cumprido em direcção a sua casa, em direcção à rua, para voltar a deitar-se no parapeito da sapataria de luxo, onde a janela é montra, o corredor é passeio, a sala é rua, o tecto o seu céu e tudo junto a sua vida, o seu único amor. Eu e tu, sobramos com o fulgor do olhar daquele carente homem na nossa imaginação, imaginação de desejo, com um outro significado de amor.
Dizes-me, confortados ao calor dos corpos condicionados um pelo outro, que foi assim que te conquistei e pedes-me para te escrever um poema com o dedo, com o dedo a apontar o teu umbigo.
Agora que te olho lá de cima e vejo os nossos corpos satisfeitos, replicas-me o prazer de ler reflectido no tecto, no nosso tecto um poema meu do nosso amor, dum amor que não é nosso, porque o amor não tem dono. Tu és a dona do meu amor, tu és o meu amor. Mas isso não me basta, porque quero que sejas mais que o meu amor, quero que sejas o amor! Tu és o amor. Eu sou o inquilino do teu tecto. Tu és o amor. Agora que voltei a descer ao meu corpo e volto a sentir o teu amor a aquecer o meu vou escrever-te o poema no ventre, para reflectir na cobertura do céu junto das nuvens, do sol e das estrelas onde só tu e eu chegamos. Só tu vais conseguir cantá-lo para dentro de ti com a minha voz, só tu vais conseguir cantar para fora de mim com a tua voz. Afinal o nosso amor tem voz, tem voz que até sussurra a noite e arrepia o céu que também o cantará, só para ti, prometo, em refrãos de raios de sol! Sim, porque os raios são fios do teu cabelo. Sim, porque o céu é a transparência da tua bela face. Sim, porque a noite é a tua serenidade e a nossa. E é por isso que eu beijo o ar, porque o ar me sabe a ti e é por isso que me agarro à noite, porque tu te agarras a mim. Agarrado a ti, sinto-me agarrado ao amor, amor que é varanda que me cola e descola aos teus lábios, porque assim sinto-me a voar no ar, no ar do teu paladar, seguro por ti.
És a partida e a chegada dum livro que jamais escreverei, não por me faltares, não por me faltar o amor, mas por me faltarem as palavras de amor. Tu não me faltas. Ainda queres o meu poema? Eu apenas amo o amor e repito as nossas imagens nas letras, os nossos momentos em palavras. Não sou mais que um ordenhador de palavras arrumadas pela inspiração do teu amor, tu o meu amor. Ainda queres o meu poema?
Amor, que me lançaste à arena do coliseu do amor com um avental de palavras a lutar por ti, a lutar pelo amor, com um escudo de significados e perfumes teus, onde só tu assistes e a sombra de Nero. Sobram as minhas pegadas de desespero e o teu olhar que me fortaleceu levam-me à praia contigo e com o teu amor. Para ti acendo a Lua e na areia desenho a Torre Eiffel, com o mar a soprar de fundo, escalamos e lançamos o amor a voar, a voar junto. Voamos meu amor e aterramos poema...
Ainda queres o meu poema? Mas o meu poema és tu!



Jorge Carvalho

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