o mar é um planeta inconfessável
eu
chorei primeiro. chorei um corpo inteiro.
depois
o teu abraço o teu soluço o teu medo inteiro. depois a despedida. não sei se
dissemos alguma coisa. não sei se disse: o céu não é dos pássaros, o teu corpo
desafia a voar, sinto o sol sempre que o teu olhar ousa riscar o meu olhar. não
sei se sorriste.
eu
chorei primeiro. eu chorei primeiro cada
dia sem ti.
é sempre mais difícil do que parece, é sempre
mais difícil do que quando treinamos e só vemos as lágrimas longínquas do espelho
não molham as mãos tremem menos
é sempre mais difícil porque os finais têm a
tua cara e não têm música e alguém se esqueceu de fazer um filme sobre nós em
que eu à chuva atiro versos e flores comovidas à tua varanda comovida e tu corres descalça
pele colada ao vestido e os meus braços. alguém se esqueceu e nem músicas nem
poetas tristes amanhecerão, só esta carta, que não há finais felizes que os
finais são territórios para a distância para súplicas tardias para suicídios de
improviso em olhares cheios de nada lugares onde não se deve regressar
e ainda que quisesse não saberia regressar à
tua carne vidro na memória
e ainda que quisesse não saberia regressar ao
azul às estações de framboesa aos barcos despidos de língua às noites que não precisam de tradução
o mar é um planeta inconfessável que se deixa
despir e tocar
tu és um planeta inconfessável que se deixa
despir e tocar
e enquanto o Porto me olha amadurecem
tempestades nas esquinas o silêncio despede-se de plutão os cinzeiros ficam
misteriosamente vazios
e
nos hospitais de cinza de Eugénio as primeiras luzes das colinas amam pequenos poemas
pequenas cartas como esta pequenos nadas
e
neste momento a claridade toca todos os espanta-espíritos do mundo
e
neste momento o meu telemóvel toca e a solidão é apenas uma promessa que se apaga na promessa de
outros corpos de outros incêndios de outros naufrágios de luz projectada noutras camas
e estou deitado e o cigarro estende-me passadeiras de fumo. finalmente sinto que
tenho idade suficiente para fugir do mundo. e ainda assim não fujo. velo-te.
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