carta da espera
15:16
15:16 de um sábado qualquer. os sábados sempre me pareceram dias quaisquer, dias sem história. é sábado e chove lá fora. chove sobre um dia qualquer. lá fora chove o dia, chove uma alegria miudinha e as coisas alegres sempre me pareceram demasiado póstumas.
da minha janela vejo passar aviões e fumo cigarros. a chuva cai e faz música ao cair. o céu fica sem cor e é tão bonito esse teu olhar triste. és tão bonita. essa espécie de alheamento. tão bonita. essa espécie de altivez delicada.
queimo cigarros. observo o fumo. penso em ti. começa a ser tão viva a tua presença em mim. as tuas ausências também. às vezes não sei muito bem como agir quando estás comigo. então fico só parado a olhar para ti. e tenho a impressão de sorrir muitas vezes. e parece-me sempre que o tempo passa muito depressa. isto deve significar alguma coisa.
ontem apeteceu-me dançar contigo. apeteceu-me. a mim que nunca me apetece dançar. passam-se tantas coisas na minha cabeça quando estou contigo que acho que não posso afirmar com toda a certeza que me tenha apetecido dançar. sei lá. é tudo tão rápido. tantas coisas. mas ontem apeteceu-me dançar contigo. apeteceu-me que ficasses. ver-te acordar depois de te ver dormir. a minha camisa em ti. deves ser ainda mais bonita ao acordar. a tua voz deve ser ainda mais doce. deves ficar linda na minha camisa.
e gosto tanto de te ver rir. penso nisso. fumo o último cigarro. o barulho do cigarro a queimar céu. o céu de coimbra tão mais próximo. gosto tanto de te ver rir.
e de repente parece-me que não faz sentido toda esta merda. é demasiado. gostar de ti. não faz sentido. demasiado cedo. tudo tão demasiado cedo, o teu sorriso tão cedo tão cedo o teu nome a tua fotografia. os teus passos. esta carta e os voos nocturnos. os teus passos. e pensar que me podes salvar. e saber que te posso salvar.
ainda não parou de chover. as coisas às vezes são assim. prolongam-se até chegar dentro de nós. depois demoram-se. depois ficam. depois ficam e já não sabemos se são nossas. só nossas.
e no final do dia já não sabemos se são só nossas. e no final do dia voltamos a não ter nada para dizer um ao outro. a não ter nada para dizer. e saber que isso não importa. e saber que o teu cabelo curto não importa. o vestido branco. o vestido branco que nasce de ti.
sentir o coração a falhar o sangue.
o teu umbigo. o teu ombro. chuva no teu ombro. o amanhecer desperta um segredo. um segredo. a tua cintura. a doçura misteriosa da tua cintura. para lá da dúvida. a forma como o sol queima ao fazer o caminho das tuas pernas. dentro mundo. estamos dentro do mundo.
e eu sei de ti. o eclipse. o mapa. a rebentação em ti. sei de ti.
beijo a chuva nua no teu ombro. sinto que estou onde devo estar. e tu, tu estás onde deves estar também. tu, tu que és um pequeno milagre.
Perfeito.
ResponderExcluirRealmente perfeito. Fui transportada pra um dia cinzento e chuvoso. Fiquei com vontade de desenhar...obrigada. :)
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