primeira carta
há tantas dores diferentes.
tantas cores.
às vezes baixar os braços é bom,
sabes?
às vezes baixar os braços é deixar
cair quem já não nos segura. às vezes baixar os braços é saber que há braços que
foram feitos para nós, para nos agarrar. às vezes baixar os braços não é só
baixar os braços, é tudo: um anúncio de partida: um bilhete na porta com a
porta a fechar-se atrás de ti: um lugar a que nunca pertenceste a fechar-se
atrás da porta que se fecha atrás de ti
e há tantas coisas de que se pode
gostar em ti para além das mãos
e no horizonte já todas as coisas
que ainda não sabes que eu sei. coisas que talvez não saibas que existem.
coisas que talvez não existam. coisas que talvez não existam para além dos meus
olhos: pequenos gestos algumas palavras o teu sorriso.
alguma coisa importante consegues
tocar dentro de mim. alguma coisa esquecida: a noite adormecida: uma língua
morta: a solidão do rio.
às vezes baixar os braços é bom,
sabes?
é deixar cair o medo. é deixar
cair o medo e esperar pela nossa pessoa. não existe mais ninguém. é
imaginar a aproximação. é partilhar pensamentos trocar olhares dar as mãos
cheirar frutas e livros e saber da primavera e do outono e dizer dióspiro e
gostar de dizer dióspiro porque os dióspiros guardam muito sol lá dentro e tu
és um bocadinho como os dióspiros.
às vezes são 07:39 e tenho a
urgência de te dizer algo que esqueci, algo que lembrei e depois esqueci,
são agora 07:39 e tenho a
urgência de te dizer
às vezes baixar os braços é saber
as exactas coordenadas do coração, é saber que a Amèlie nos espera no des 2
Moulins, que livrarias muito antigas em ruas desertas de carros e casas nos esperam
e um gira-discos a desenhar os móveis e livros, muitos livros, a mostrar-me o caminho
para casa, a dizer-me que o teu corpo tem a beleza natural das romãs e o cheiro
bom das romãs e que não é verdade que se
tu te apaixonasses e eu me apaixonasse tornaríamos a vida um do outro exactamente
miserável, e é claro que haverá silêncios e é claro que assistiremos calados ao
nascimento desses silêncios e as horas teimarão em atrasar o tempo e o tempo
teimará em não ter nome, mas no lugar mais profundo desses silêncios os meus braços
feitos para segurar proteger abraçar o teu corpo inteiro abraçar-te-ão
os silêncios não serão mais do
que casas onde apetece morar, bancos virados para o mar e cartas e poemas e
post-its nas almofadas nos espelhos das casas de banho nos quartos de hotel a atestar amor mais ´pateta` do mundo.
às vezes baixar os braços é bom
é das minhas preferidas ♥
ResponderExcluirtb é das minhas! bjinho
ResponderExcluirsão poucos os textos que apetece ler sem levantar os olhos.
ResponderExcluiré tão bom.
Obrigado, Ana! os teus comentários são sempre especiais...Obrigado.
ResponderExcluirFiquei gelada.
ResponderExcluirBem-vinda Beatriz! ;)
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