Carta Póstuma de Tsvétaïeva a Rilke

O ano acaba com a tua morte. Um fim? Um começo. Caríssimo, sei agora - Rainer, enquanto choro - que podes ler-me sem correio, e que começaste já a ler-me. Meu caro, sem ti, que estás morto, não existe morte, a vida - também não há. O que há então? A pequena cidade de Sabóia - quando? onde? Rainer, e o ninho (a rede) de sono? Agora sabes também o russo, sabes que ninho se diz gnezdó, e muitas outras coisas mais.
Não quero reler as tuas cartas, pois deixaria de querer «viver» (não «poderia» mais? Eu «posso» tudo - e isto não é um jogo), queria juntar-me a ti, não queria ficar aqui. Rainer, eu sei que estarás já à minha direita, quase posso sentir a tua fronte clara. Pensaste alguma vez em mim? Amanhã começa o Ano Novo, Rainer - 1927.7. O teu número preferido. Nasceste em 1875 (pelo diário) 51 anos? Jovem.
A tua pobre neta, que nunca te viu.
Pobre de mim.
Mas não se pode ficar triste! Hoje, à meia-noite, brindarei (oh! Silenciosamente, nem tu nem eu gostamos de barulho) contigo.
Meu querido, faz com que eu sonhe contigo algumas vezes.
Nunca acreditámos num encontro aqui; e a não ser aqui, não é verdade? Precedeste-me para pores as coisas um pouco em ordem - não no quarto, nem na cama - na paisagem, para me receber.
Beijo-te a boca? As têmporas? A fronte? Talvez a boca (porque tu não estás morto), como autêntico vivo.
Meu muito querido, amam-me doutra maneira e mais que qualquer outro. Não fiques zangado comigo - habitua-te a mim, é assim que sou.
Que mais ainda?
Demasiado alto, talvez? Nem alto, nem distante
... um pouco demasiado em frente deste espectáculo comovente,
ainda não, ainda próximo, a fronte pousada no ombro.
Não, meu querido rapaz grande - ó
Rainer, escreve-me (é tão estúpido este pedido!)
Os melhores votos e uma bela paisagem de ano novo aí no céu!

Marina

in Rilke/Pasternak/Tsvétaïeva, Correspondência a Três.

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