Cartas a Bordeaux I

Dia 88. É um ciclo vicioso, sabes? O fazer as malas e ir embora. Como sempre fiz. Dizem que por isso estou melhor. Que estou melhor nesta espiral de desencontros, onde tudo ficou demasiado longe. Um dia a fuga acaba e um dia eu volto a Coimbra e volto ao tudo do qual fugi. Já não é sobre o amor romântico que ficou por acontecer. Não é o fininho de um violino que chora por todas as nossas adolescências tardias. É aquela coisa, aquela outra coisa, das nossas histórias trancadas em dispensas, um passado de putas e vinho verde e de arrependimentos que nos embalam a noite e de viagens de onde nunca regressamos. Lutamos todos os dias para que nos deixem ser pessoas por inteiro, e luto todos os dias para que me deixem ser mulher por inteiro. Para que me deixem ser doente e para que me deixem ficar melhor todos os dias.

Ontem voltei a casa pelo caminho mais longo, no frio da noite e no frio das línguas estranhas. A França é mesmo assim. O sítio mais seguro do mundo para se fugir sozinha. Um perfeito limbo para os que já não sabem ficar. Há tristeza em tudo isto, e da insatisfação nasce a capacidade de fazer dos homens improváveis a nossa casa. E ainda que seja amor, é também contrariedade. Estarei sempre de partida porque ninguém consegue apagar o que Coimbra escreveu, e estarei sempre ausente porque de repente lembramos que doeu em sítios que não deveriam sequer existir.

Beatriz

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