Sessão de gramártica


Uma pomba vem pousar sobre a porta deste texto.
Desce pelas frases, alisa as penas nas palavras, salta de linha em linha e voa para a tua mão,
enfeitiçada pelos teus olhos. 

Parece-me que ela é o teu coração. 

Resolvo preparar o ninho:
alinho almofadas com desejos, 
dispo o teu corpo de adjectivos, livro-o de advérbios até o sentir nu.
Junto-me a ti, imóvel. 
No silêncio do texto liso, os olhos da pomba sintonizam a nossa respiração. 
Cubro-nos com a sintaxe macia dos lençóis frescos 
e o texto banha-se em luz.
Ficamos assim, longamente repousando 
a substantividade do pronome «Nós».

Acordamos com uma cadência de asas
e sorrimos ao ver a pomba sair pelas janelas do texto. 
Conjugamos verbos reflexos, copulativos, plenos, 
ultrapassando condições e imperativos, 
fundindo todos os tempos do pretérito e do futuro, 
infinitivamente, 
até fundarmos a forma activa do presente significativo.

É então que a pomba volta 
e com uma flor no bico sublinha todo o texto.

Maria Ripichi



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